O tempo sempre foi tratado como um conceito adquirido por vivência, indefinível
em palavras. A concepção do tempo tem sido muito discutida desde o início
da cultura ocidental, até hoje.
Parmenides (530 -
460 a.C.) defendia o ponto de vista de que todas as transformações que
observamos no mundo físico resultam da nossa percepção, isto é, de um
processo mental. Elas, de fato, não ocorreriam. A realidade para Parmenides
seria ao mesmo tempo indivisível e destituída do conceito de tempo.
Um dos discípulos de Parmenides, Zenon de Eleia (505 - ? a.C.), apresentou
alguns paradoxos sobre o tempo, dos quais o mais famoso é aquele do corredor
Aquiles e da tartaruga. Esses paradoxos tinham a intenção de questionar
o conceito de tempo. No caso de Aquiles e a tartaruga, Zenon procura provar
que o movimento é impossível se o tempo puder ser subdividido indefinidamente
em intervalos cada vez menores.
O paradoxo consiste no seguinte: o corredor Aquiles persegue uma tartaruga.
Os dois iniciam o movimento num determinado instante de tempo. Para cada
distância percorrida pelo corredor a tartaruga avançaria certa distância.
Por exemplo, quando o corredor atingisse o ponto do qual a tartaruga partiu
ela já estaria a uma outra distância. Quando o corredor atingisse essa
distância a tartaruga estaria numa outra posição. E assim por diante.
Não seria pois possível ao corredor alcançar a tartaruga. Este paradoxo
tem solução!
Platão
(427 - 348 a.C.) afirmou que o tempo nasceu quando um ser divino colocou
ordem e estruturou o caos primitivo. O tempo tem, portanto, de acordo
com Platão, uma origem cosmológica.
Platão procura estabelecer a distinção entre o "ser'' e o "não ser''.
O mundo do "ser'' é fundamental e não está sujeito a mutações. Ele
é, portanto, eternamente o mesmo. Este mundo, entretanto, é o mundo
das idéias, apreensível apenas pela inteligência e pode ser entendido
utilizando-se a razão. O mundo do "não ser'' faz parte as sensações,
que são irracionais, porque dependem essencialmente de cada pessoa.
Para Platão este mundo é irreal.
O domínio do tempo estaria nesse segundo mundo, assim como tudo o
que se observa no universo físico, tendo assim uma importância menor.
Talvez possa ser dito que para Platão o tempo essencialmente não existe,
uma vez que faz parte do mundo das sensações.
A filosofia oriental
parece ter sustentado que o tempo, bem como o espaço, são construções
da mente humana.
Aristóteles considerava importante o mundo observado e entendia a noção
do tempo como intrínseca ao Universo. Na filosofia aristotélico o mundo
existia na forma de seu modelo cosmológico geocêntrico (a Terra estática
no centro dos outros astros) desde sempre. Aristóteles, como a maioria
dos pensadores gregos da época, não acreditava na idéia de um momento
inicial da criação do Universo, que foi dada para o mundo ocidental pela
tradição judaico-cristã.
Esta questão de tempo
cíclico ou não cíclico, portanto, aparece
como uma das questões relativas às características do tempo desde as origens
da ciência ocidental. Esta idéia apareceu naturalmente em função dos inúmeros
fenômenos periódicos na Natureza: as marés, as estações sazonais, os dias
sucedendo as noites, e assim por diante. Esses fatos conhecidos desde
as civilizações mais antigas, sendo evidentes fenômenos cíclicos, levaram
as civilizações primitivas, bem como os pensadores da Antigüidade a imaginarem
que o tempo também seria circular, ou seja, a Natureza evoluiria de forma
a se repetir.
O tempo cíclico dos
gregos derivava também da idéia de perfeição, sempre presente na filosofia
natural grega. Essa mesma idéia os induziu à escolha do círculo, uma figura
perfeita, para a trajetória dos corpos celestes. Em seu "Física'' Aristóteles
afirma que "existe um círculo em todos os objetos que tem um movimento
natural. Isto se deve ao fato de os objetos serem discriminados pelo tempo,
o início e o fim estando em conformidade com um círculo; porque até mesmo
o tempo deve ser pensado como circular".
Outros pensadores,
os estóicos, acreditavam que sempre que os planetas voltassem à sua posição
original, a qual seria o início do tempo cósmico, o Universo recomeçaria
de novo. Muitas e muitas vezes, portanto.
Os estóicos eram filósofos seguidores da doutrina chamada estoicismo que
é caracterizada pela consideração do problema moral, e que tinha como
ideal atingir a felicidade suprema pelo estado de alma em equilíbrio e
moderação na escolha entre os prazeres sensíveis e os espirituais. São
representantes ilustres dos estócios os gregos Zenão de Cicio (340-264
a.C.) e Cleanto (séc. III a.C), e os romanos Epicteto e Marco Aurélio
(121-180).
Os Maias da América
Central acreditavam igualmente num tempo cíclico. A história se repetiria
depois de um período de 260 anos, o lamat dos Maias.
A idéia de um tempo
linear, sem retornos, parece ter sido defendida apenas pelos hebreus e
os persas zoroastras. Essa filosofia foi incorporada pelos cristãos.
Os cristãos introduziram a crença em acontecimentos únicos, como por exemplo
a crucificação e ressurreição de Cristo. Estes fenômenos não se repetem.
Também o apocalipse descreve o fim de um mundo, indicando que haverá o
encerramento de um ciclo que não se repete mais.
No século IV, Santo
Agostinho respondia à indagação sobre o que é o tempo da seguinte forma:
``se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer
a pergunta, já não sei''.
O mesmo filósfo cristão, Santo Agostinho, divagou sobre o conceito do
tempo nos seguintes termos: "ouvi dizer a um homem instruído que o tempo
não é mais do que o movimento do Sol, da Lua e dos astros. Não concordei!!!
Porque não seria antes o movimento de todos os corpos? Se os astros parassem
e continuasse a mover-se a roda do oleiro, deixaria de haver tempo para
medirmos as suas voltas? Não poderíamos dizer que estes se realizam em
espaços iguais, ou, se a roda umas vezes se movessem mais devagar, outras
depressa, não poderíamos afirmar que umas voltas demoravam mais, outras
menos?''
A questão da realidade
do tempo levou vários filósofos a elaborarem idéias a respeito da mesma.
Para Kant (1724-1804), por exemplo, o tempo, apesar de ser essencial como
parte da nossa experiência, é destituído de realidade: "tempo não é algo
objetivo. Não é uma substância, nem um acidente, nem uma relação, mas
uma condição subjetiva, necessariamente devida à natureza da mente humana.''
Uma possibilidade,
para essa teoria do subjetivismo do tempo é negar a sua realidade. Essa
negação se encontra em trabalhos de filósofos tão antigos quanto Parmenides
e Platão, como mais recentes como Hegel(1770-1831) e Spinoza (1632-1677).
Boltzmann, que era físico e viveu entre 1844 e 1906 atacou a visão subjetiva
do tempo e as complicações introduzidas, de acordo com ele, pelos filósofos.
O tempo continua tendo
mistérios para a humanidade e ainda é assunto de debate entre os filósofos
e entre os cientistas.
A dificuldade de Santo Agostinho e tantos outros filósofos para definir
o tempo, na verdade, também existe na definição do espaço, pois ambos
são conceitos adquiridos por vivência, e que em ciência são identificados
como conceitos primitivos. Na ciência a aceitação de um conceito primitivo
o torna real. Assim, embora sem definir o tempo em poucas palavras, a
ciência moderna identifica as suas características e realiza medidas relativas
ao tempo.
A ciência tem se preocupado
com várias indagações sobre o tempo, algumas que são feitas também pelos
filósofos: se o tempo é absoluto, se é finito ou infinito, por que ocorre
somente numa direção, e até se seria possível "viajar" no tempo.
Neste texto, pretende-se
abordar um pouco do conceito de tempo nas ciências físicas, que se não
responde a todas estas perguntas com a devida profundidade e clareza,
dá uma idéia de como algumas destas questões têm sido tratadas nas ciências
físicas.
O tempo na mecânica
newtoniana é absoluto e uniforme. Entendendo-se por absoluto o fato de
existir independentemente da matéria e do espaço, e uniforme porque em
qualquer "ocasião'', ele transcorre da mesma forma, não evoluindo "mais
depressa'' ou "mais devagar'' em função da região do espaço, ou da presença
de matéria, do fenômeno físico que ocorra, ou de qualquer outra circunstância.
Nas palavras de Newton: "o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por
si mesmo e por sua própria natureza flui igualmente sem relação com nada
de externo, e com outro nome, é chamado de duração''.
O tempo é absoluto também no sentido que dois eventos simultâneos, ou
seja, que ocorrem no mesmo instante para um observador o serão para qualquer
outro observador inercial, ou seja independente do movimento de velocidade
relativa constante de um em relação ao outro.
Por outro lado uma
teoria que adota o espaço e tempo absolutos, como é o caso da mecânica
clássica, é determinística, o que significa que conhecidas as condições
físicas do sistema por ela descrito em um dado instante, é possível conhecer
exatamente o seu comportamento no futuro. Nisso residiu, em grande parte,
o sucesso da mecância newtoniana.
Entretanto, dependendo
das velocidades envolvidas no movimento, e das dimensões reais do corpo
que se movimenta, os conceitos de tempo ( e de espaço) não são exatamente
como os que discutimos acima.
Na teoria de Eisntein,
que descreve fenômenos de partículas com velocidades próximas à da luz,
a grande mudança que aparece em decorrência do princípio da constância
do módulo da velocidade da luz, para quaisquer referenciais em movimento
de velocidade relativa constante, é o conceito de tempo. Os instantes
em que ocorrem os eventos e os intervalos de tempo que estes eventos duram,
deixam de ser independentes do referencial inercial que os observa, passando
a depender da coordenada paralela à velocidade onde o evento ocorre. Este
é fato nada intuitivo para quem, como nós, não têm vivência com velocidades
próximas à da luz.
Vamos dar um exemplo. Se duas bombas idênticas em repouso relativo são
acionadas simultaneamente, estes eventos, o acionar de cada uma das bombas,
não são simultâneos para observadores que se movem com velocidade constante
paralelamente à direção definida pelas posições das bombas. Por outro
lado, o intervalo de tempo entre o acionar a bomba e o explodir delas,
é sempre maior no referencial em movimento em relação às bombas. Em outras
palavras, o intervalo de tempo no referencial de repouso de um evento
(tempo próprio), é sempre menor que o medido no referencial que se move
em relação ao evento, paralelamente à eles.
O transcorrer do tempo não se altera para eventos que ocorram na mesma
coordenada na direção paralela à velocidade relativa. Assim, se um observador
tem velocidade em relação às bombas, porém perpendicular à linha que as
une, ou seja, as componentes das posições das bombas na direção da velocidade
relativa é a mesma, não haveria este efeito de quebra de simultaneidade
no acionar das bombas, e nem a dilatação temporal no intervalo de tempo
entre o acionar e o estourar a bomba.
Estes efeitos de quebra da simultaneidade e dilatação temporal são muito
pequenos, e portanto desprezíveis quando o movimento dos eventos tratados
são muito menores que a velocidade da luz. No que segue sobre discussão
de medidas de intervalos de tempo nos restringiremos às condições de baixas
velocidades, e trabalharemos como se o transcorrer do tempo independesse
do movimento do observador. Porém, é preciso ter em mente que conceitualmente
isto não é correto.
Ainda em relação
às características do tempo, cabe a discussão se ele é cíclico ou não
cíclico. Há uma teoria atual que propõe que o Universo é fechado no sentido
que ele passa por ciclos de expansão e contração que se repetem. Não se
poderia dizer, com o conhecimento de hoje, quantos ciclos precederam a
este que conhecemos, que é um ciclo de expansão. Dentro desta visão de
Universo, ele passará no futuro, como já ocorreu no passado, por uma contração.
Esta teoria tem um aspecto cíclico no tempo, no sentido que os acontecimentos
fundamentais no universo ocorrem ciclicamente.
Já pela teoria do
Universo aberto ele se expandiria eternamente, e o tempo de existência
da matéria e de tudo que há nele seria finito.
Medidas de intervalo
de tempo exigem fenômenos periódicos que possam ser utilizados como instrumentos
de medidas. O fenômeno periódico natural que evidencia a marcação do tempo
para os humanos é a existência do dia e da noite, ou seja, o nascer e
por do Sol para quem está na superfície da Terra. Como sabemos hoje, este
fenômeno está relacionado com o movimento (periódico) de rotação da Terra
em torno de seu eixo.
As quatro estações sazonais são outro fenômeno natural que serve para
marcar o tempo. Outros fenômenos periódicos podem ser utilizados para
a elaboração de um calendário.
Os calendários se
constituem em sistemas voltadas para um recenseamento de forma racional
do tempo, de acordo com os principais ciclos astronômicos, facilitando
a organização das atividades humanas. Pode-se destacar três tipos de calendários:
o calendário lunar, o calendário solar e o misto, ou seja que tem divisão
lunar e solar, como é o caso do calendário hebreu.
Aos egípcios se credita o mais avançado calendário da Antigüidade. A eles
se deve a divisão do dia em 24 horas (do por-do-sol ao por-do-sol). O
intervalo de uma hora seria o intervalo de tempo médio desde o instante
em que uma estrela surje no horizonte até sua total aparição nos céus.
O ano se relaciona com o tempo em que da Terra se observa um ciclo completo
do movimento
aparente do Sol; e a divisão do ano em 12 meses tem a ver com os ciclos
da Lua de 29,5 dias. Essa divisão foi adotada em muitos calendários da
Antigüidade, e em particular no calendário egípcio. Os egípcios também
adicionaram ao ano, então de 360 dias, mais cinco dias para fazer coincidir
o início do ano com o surgimento periódico de Sírius no céu.
O calendário atual
tem suas origens no calendário romano. Os romanos utilizavam um mês lunar
e por isso tinham que inserir, com muita freqüência, um mês extra para
fazer a correção necessária para completar o ano solar. Além de ser muito
confuso, esse calendário provocou distorções na periodicidade. Por ocasião
do reinado de Júlio César os meses do inverno estavam coincidindo com
as características do outono. O calendário estava, pois, defasado de três
meses.
Júlio César introduziu no ano de 46 a.C. um calendário que procurava corrigir
essas distorções, no que foi auxiliado pelo astrônomo Sosígenes. O Calendário
Juliano, como ficou conhecido, instituía o ano bissexto a cada quatro
anos e elevava para 365,25 dias o ano médio juliano. A partir dessa reforma,
os doze meses passaram a ter a duração que têm hoje. Para efetuar a correção
necessária na época, o ano de 46 a.C. teve uma duração de 445 dias.
O calendário juliano reduziu drasticamente as dificuldades com o calendário
romano mas não as eliminou inteiramente. O problema é que a duração do
ano solar, isto é, o tempo para Sol completar um ciclo no seu movimento
aparente, é em média de 365,2422 dias. Sendo o ano do calendário juliano
composto por 365,25 dias, era cerca de 11 minutos e 14 segundos mais longo
que do que o ano solar. À medida em que os anos se sucediam a diferença
se tornava de novo perceptível. Por volta do ano de 1582 essa diferença
já era de semanas. Esta defasagem tinha conseqüências, como por exemplo,
os dias do ano no qual a duração dos dias era igual a duração das noites
(os equinócios), já estavam bastante defasados nessa ocasião. O equinócio
da primavera que ocorrera no tempo de Júlio César no dia 25 de março já
estava ocorrendo no dia 11 de março, no ano de 1582.
O
calendário atual é chamado de calendário gregoriano, porque foi estabelecido
pelo Papa Gregório XIII em 1582. Ele difere do calendário juliano
apenas no fato de os anos que completam um século, os chamados anos
seculares, não serem bissextos, exceto quando o número de séculos
for divisível por quatro. A diferença entre o ano gregoriano e o ano
solar é desprezível. Para fazer essa correção, o Papa Gregório teve
que designar o dia seguinte ao dia 4 de outubro de 1582, por dia 15
de outubro, em vez de dia 5. O calendário gregoriano, entretanto,
gerou desconfiança. Os protestantes relutaram em aceitá-lo. Na Inglaterra
o calendário gregoriano só substituiu o juliano no ano de 1752. As
igrejas ortodoxas só adotaram o calendário Gregoriano em 1924.
O calendário muçulmano
é um calendário lunar de 12 meses. O ano muçulmano tem assim, de 354 a
355 dias, começando, portanto, a cada ano entre 10 a 12 dias mais cedo
que o ano do calendário gregoriano.
Os calendários antigos
já usavam uma unidade de tempo menor do que o mês, a semana. Este é um
ciclo que não tem um correspondente astronômico. Os gregos tinham semanas
de dez dias e algumas civilizações indígenas tinham semanas de três dias.
A semana de sete dias foi introduzida pelos babilônicos que a adotaram
em todo o seu império. No entanto, ela se originou com os hebreus. O velho
testamento começa com o livro de Gênesis segundo o qual Deus criou o mundo
em sete dias, e depois descansou. A tradição judaico-cristão incorporou
a idéia de uma semana de sete dias para as atividades humanas, com um
dia de descanso.
Os fenômenos astronômicos
são assim instrumentos de medida de tempo, ou seja, são de certa forma
relógios. Mas relógios imprecisos. Os intervalos de tempo entre um nascer
do Sol e outro, por exemplo, variam num mesmo local conforme as estações
sazonais; e por outro lado o intervalo de tempo entre o nascer e o por
do Sol numa mesma estação, varia também de uma posição geográfica para
outra. A seguir trataremos dos instrumentos de medida de tempo necessários
nas ciências físicas.
O tempo pode causar
sensação diversa em pessoas diferentes. Este tipo de "transcorrer do tempo"
não é, entretanto o tempo físico. O intervalo de tempo nas ciências exige
uma medida repetitiva, e que independa da sensibilidade pessoal do observador.
Na concepção de Newton:
"o tempo (é) absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua
própria natureza flui igualmente sem relação com nada de externo, e com
outro nome, é chamado de duração''.
Porém o tempo físico
é determinado por instrumentos - os relógios - que permitem marcar intervalos
de tempo iguais. Qualquer que seja o tipo de relógio, ele é um objeto
concreto, ou seja, se baseia num fenômeno físico periódico, e como qualquer
objeto ou fenômeno está sujeito às leis da física. Com isto não se pode
saber a priori se os medidores de tempo que funcionam em condições mais
corriqueiras não seriam afetados quando sujeitos a condições muito diferentes
daquelas nas quais já foram sobejamente testados.
Diante da discussão anterior sobre o conceito atual de tempo, cabe a dúvida:
seriam os tempos observados num relógio afetados pelo seu movimento? Alguns
fenômenos observados neste século, após a proposta de Eisntein para a
nova concepção do espaço-tempo, mostram que de fato é diferente a marcha
do tempo de um fenômeno observado no seu sistema de repouso, portanto
num relógio em repouso em relação ao fenômeno, daquela medida nos relógios
que se movem em relação ao fenômeno com velocidades próximas à da luz.
Isto significa que relógios idênticos observam intervalos de tempo diferentes
do mesmo fenômeno, dependendo da velocidade do relógio em relação ao fenômeno.
A diferença no transcorrer do tempo também ocorre quando os relógios estão
imersos num campo gravitacional intenso, aqui entendidos como próximos
às regiões de massas gravitacionais muito grandes quando comparadas com
a da Terra. Nos restringiremos, na discussão que segue sobre medidas de
tempo, às situações em que são desprezíveis as diferenças no transcorrer
do tempo devido ao movimento dos relógios ou à atuação de campo gravitacional
intenso, ou seja, os intervalos de tempo não dependerão dos relógios.
Na verdade, sendo
os instrumentos de medida de tempo baseados em fenômenos periódicos, mesmo
em condições usuais (baixas velocidades em relação à velocidade da luz
e longe das regiões de campo gravitacional intenso) se apresenta a dúvida
se os intervalos de tempo marcados por um dado instrumento são de fato
iguais. E não há como resolver esta dúvida. O que se pode fazer é comparar
medidas de instrumentos diferentes e com uso de argumentos que se baseiam
em leis físicas sobre o fenômeno periódico do instrumento, e concluir
sobre a precisão de cada um deles. Desta forma fica difícil afirmar como
Newton, que o tempo é absoluto, ou seja, ``flui igualmente sem relação
com nada externo''.
Medidas precisas de
intervalos de tempo são essenciais no conhecimento de todos os fenômenos
físicos. Entretanto, são muito diversos os intervalos de tempo característicos
ds fenômenos físicos conhecidos em nossos tempos. Eles vão desde a "idade''
estimada do universo, que é da ordem de grandeza de 1017s (10
bilhões de anos), até valores próximos de 10-24s, que é o tempo
levado pela luz, que tem a maior velocidade possível entre tudo o que
existe no universo (3.108m/s) , para atravessar um núcleo (raio
de 10-15m), que é um dos sistemas pequenos do Universo físico.
A tabela
mostra uma
escala de tempo em segundos.
Esta tabela indica
que as medidas de tempo que são observas diretamente num instrumento só
são possíveis para fenômenos cujos tempos característicos de duração variam
entre 10-6s, que também é conhecido como microsegundo (1ms),
e 1012s, que é a idade do aparecimento da agricultura no planeta
Terra. Os intervalos de tempos maiores ou menores exigem sofisticados
métodos indiretos de medidas. No que segue abordaremos alguns tipos de
medições de tempo através da história do homem.
Os
mais antigos instrumentos construídos para marcar o tempo, que se
tem conhecimento, são os chamados relógios de sol. Os mais simples
se baseiam na projeção da sombra de uma estaca vertical sobre uma
escala graduada. Uma evolução destes modelos mais simples é o quadrante
solar que projeta a sombra de um ponteiro sobre um quadrante graduado.
Estes relógios ainda são encontrados em nossos dias como ornamentos
de jardins. O maior inconveniente dos relógios solares é que não podem
ser usados durante a noite, e sua precisão não é boa, no sentido que
dois relógios solares marcam horas não muito iguais, e também porque
não servem para medir intervalos de tempo da ordem de minutos ou menores.
Os
relógios de água, também conhecidos por clepsidras eram usados no
Egito antigo e na Babilônia. Seu funcionamento se baseia no escoamento
de um filete de água através de um pequeno orifício no fundo de um
recipiente, para um outro contendo uma escala graduada. Consta que
Galileu utilizou um relógio de água em experimentos básicos de mecânica.
Ainda que mais raros que os relógios solares, ainda hoje são também
encontrados alguns relógios de água como ornamentos.
O
funcionamento dos relógios de areia, também conhecidos por ampulhetas,
é baseado num princípio análogo ao do relógio de água, ou seja, no
escoamento de areia fina (em vez de água) de um recipiente ao outro.
Até hoje há ampulhetas empregados para medir o tempo ou como peça
de decoração.
Os dois últimos relógios
citados podem medir minutos, mas nenhum dos até aqui citados se prestam
para medir intervalos de tempo da ordem de segundos. Somente em 1581,
quando Galileu descobriu o isocronismo das oscilações do pêndulo, foi
possível medir fenômenos com duração de segundos. Galileu observava o
candelabro da Catedral de Pisa, e comparou o intervalo de tempo para a
repetição do seu movimento, que é chamado de período da oscilação do candelabro,
com o tempo de sua própria pulsação, percebendo que o período das oscilações
permanecia o mesmo, ainda que sua amplitude (distância máxima percorrida
de um extremo ao outro da oscilação) fosse diminuindo com o tempo. Esta
independência do período das oscilações com a amplitude é chamado de isocronismo
das oscilações. Esta observação de Galileu foi feita na época em que ele
tinha 17 anos de idade e era estudante de medicina. A partir dela, construi
um pêndulo de comprimento padrão destinado a medir os batimentos dos pacientes
em hospitais.
Esta descoberta permitiu que fossem construídos os primeiros relógios
de pêndulo acionados por pesos ou por mola espiral, antecessores do atuais
relógios.
Os
relógios a pêndulo precisam de três partes para o seu funcionamento.
A primeira é de algum mecanismo que produza um movimento periódico
para que se defina o padrão de tempo do relógio. O pêndulo foi o candidato
natural, que se torna evidente com o trabalho de Galileu. No entanto,
a medida que o tempo passa, uma oscilação pendular tem seu movimento
atenuado pelas perdas de energia mecânica. Torna-se então necessário
um elemento capaz de suprir esta energia. Uma mola espiralada pode
ser este elemento suprindo a energia necessária com a energia potencial
elástica, ou um peso levantado que permite a reposição de energia
pela energia potencial gravitacional ao fazer um movimento descendente.
Entretanto para o relógio funcionar a contento é necessário que no
processo de reposição da energia, não seja alterado o seu tempo padrão.
A forma de fazer esta reposição no momento e forma apropriada foi
descoberta por Huygens em 1657. Neste mesmo ano patentou o relógio
de pêndulo e um ano depois publicou um livro sobre o assunto chamado
"Horologium".
Algumas atividades
humanas são especiamente motivadoras na evolução do conhecimento e da
tecnologia, além de serem determinantes na definição do perfil sócio-economico
e geo-político no Planeta. As navegações têm sido uma destas atividades
diferenciadas, desde suas origens nos mares, passando pela navegação aérea
até as espaciais. A navegação nos mares foi determinante na história do
mundo ocidental, e do conhecimento do próprio Planeta, particularmente
na Idade Média e na Renascença. Em particular, ela foi a grande responsável
pelo desenvolvimento de relógios precisos.
O grande problema dos navegadores até o século XVIII era a localização
do navio no oceano. Esta localização exigia o conhecimento do ponto da
Superfície da Terra onde ele se encontrava, o que envolvia a determinação
da sua posição geográfica, ou seja, de sua latitude (direção norte-sul)
e longitude (localização leste-oeste). A determinação da latitude, foi
discutida no texto II, e essencialmente envolvia a medida da altura da
estrela Polar ou Polaris, que é uma estrela fixa no hemisfério Norte.
Isto acontece porque ela se situa na esfera celeste, exatamente na direção
do Pólo Norte geográfico, daí o seu nome. O ângulo formado entre a direção
de Polaris com a vertical da superfície terrestre é chamada de colatitude.
A distância grande a que se referiu no texto antes é, portanto, da ordem
de grandeza da distância da Terra às estrelas.
A longitude era medida, como foi dito no texto II, pela comparação da
hora local com a hora de Greenchich. Como a Terra gira em torno de seu
eixo de 360o em 24 horas, uma variação de 1h da hora local
corresponde a um deslocamento de 15o de longitude (360o/24),
ou seja, um grau de longitude eqüivale a uma variação de 4 minutos da
hora local. Porém, para determinar a longitude com precisão de 0,5o,
que corresponde a aproximadamente 56km de imprecisão na superfície da
Terra, numa viagem de seis semanas, seria necessário uma precisão no relógio
de 3 segundos por dia, ou menor do que isto! Este número ilustra a necessidade
de relógios de alta precisão.
Os relógios de pêndulo, construídos pela
primeira vez por Galileu, e cuja construção recebeu grande impulso com
Huygens, no início do século XVIII, não podiam ser usados em alto mar
dado o movimento dos navios. Por isto era necessário desenvolver relógios
precisos mas confiáveis para navios, que não podiam ser de pêndulo.
A importância deste problema pode ser ilustrada pelo fato do Parlamento
inglês, em 1714 ter oferecido o maior prêmio até então oferecido, de 20.000
libras esterlinas, a quem inventasse um método prático de determinar a
longitude com precisão maior que 0,5o. Curiosamente, Newton,
Huygens, Leibnitz e outros ilustres cientistas não haviam conseguido resolver
o problema, que foi finalmente resolvido por um carpinteiro inglês, chamado
John Harrison, com a construção de seu cronômetro marítimo. O maior problema
de seu cronômetro era a compensação dos efeitos de dilatação da mola devidos
a variação de temperatura. Para descobrir a base do seu funcionamento
o "modelo 4" do cronômetro de Harrison foi testado depois de 30 anos de
trabalho, em 1761, numa viagem à Jamaica. Após mais de cinco meses de
viagem o relógio tinha desviado de 1minuto e 53,3 segundos, obviamente
dentro das condições estipuladas para o prêmio. Entretanto metade do prêmio
foi pago apenas em 1765, e a outra metade em 1772, depois da intervenção
direta do rei George III!
A precisão do cronômetro marítimo de Harrison era da ordem 1 parte em
105, comparável à precisão de um relógio elétrico atual.
Os relógios elétricos se baseiam nas vibrações de um diapasão e nas oscilações
elétricas de um circuito, e são amplamente usados na atualidade. Outro
relógio muito utilizado nos dias de hoje é o relógio de quartzo
.O fenômeno periódico do relógios de quartzo de pulso mais comuns
está nas oscilações de um cristal de quartzo quando submetido a um campo
elétrico. O quartzo executa 100.000 oscilações por segundo quando acoplado
a uma (fonte de energia) bateria. Este tipo de relógio surgiu em 1929
com a descoberta por W. Marrison das propriedades do quartzo. A possibilidade
de manter a oscilação através do tempo, ou seja, o mecanismo de realimentação
equivalente ao que Huygens descobriu para o relógio de pêndulo, é no caso
do relógio de quartzo uma propriedade física deste cristal, que é um material
chamado de piezoelétrico. Estes relógios têm precisão da ordem de 3 partes
em 107, ou seja, de 1 segundo por mês. Modelos mais sofisticados
que utilizam osciladores de quartzo, atingem uma precisão de 1 parte em
108.
Os chamados relógios atômicos têm precisão ainda maior: 1 parte em 1012,
ou seja de 1 segundo em 30.000 anos! Estes relógios usam como padrão de
freqüência, a radiação emitida por átomos de césio 133 (133Ce),
que por sua vez controla oscilações eletromagnéticas na região de microondas
e um oscilador de quartzo. Há relógios ainda mais precisos, que chegam
à uma precisão de 1 parte em 1014, baseados num sistema quântico
chamado maser de hidrogênio.
A definição atual de 1 segundo é baseada na radiação característica do
133Ce, empregada nos relógios atômicos: 1 segundo é o tempo
de duração de 9.162.631.770 períodos desta radiação.
Para se determinar
intervalos de tempo menores que 1ms se usa recursos de uma área das ciências
chamada eletrônica. Um dos primeiros e importante instrumento da eletrônica
é um osciloscópio, cujo "relógio", ou seja, medidor de tempo, é um circuito
eletrônico que oscila, e portanto faz oscilar um feixe de elétrons que
"varre" a tela do osciloscópio de um lado a outro com velocidade uniforme
conhecida. O princípio de funcionamento de um aparelho de televisão é
o mesmo que o de um osciloscópio. O uso de circuitos elétricos e elétrons
justifica o nome da área, eletrônica, que como é evidente faz parte da
vida quotidiana da sociedade contemporânea.
Instrumentos eletrônicos desenvolvidos neste século permitem a medida
de fenômenos de duração tão pequena quanto 10-24s, que é o
caso da vida média de algumas partículas elementares. Todo o conhecimento
científico adquirido no presente século sobre a estrutura da matéria,
incluídos aí o universo atômico-molecular, as propriedades de materiais,
os núcleos e partículas elementares só foi possível graças a eletrônica
que permite a observação de fenômenos de curtíssima duração.
No outro extremo da escala de tempo estão as medidas de tempo referentes
ao passado, ou seja, a medida da idade de objetos ou da formação de algo
na natureza, ou ainda a época do passado em que ocorreram eventos de interesse.
Nestes casos os tempos podem ser tão longos quanto milhões de anos.
O principal método para a determinação de tempo, nestes casos, é o da
datação radioativa. Ele se baseia no fato de que certos elementos e substâncias
da natureza são radioativos, ou seja, existem como tal por um tempo, depois
do qual se transformam, pela radiação de alguma partícula, em outro elemento
ou substância. O tempo característico da existência de um material radioativo
é o tempo que leva para metade de qualquer quantidade dele decair, ou
seja, se transformar no outro material. Este tempo é chamado de meia vida
(t ). Desde o início do século é conhecida a regra pelo qual decresce
a quantidade de um dado material radioativo (N(t)) com o tempo (N(t) =
N(t0) exp[ln2(t-t0)/t]).
O elemento carbono com 14 unidades atômicas de massa (u.a.m.), ou seja,
o 14C, é um destes elementos radioativos que se presta à datação
de eventos ocorridos até 20.000 anos atrás. O carbono mais abundante na
natureza é estável, isto é, sempre será o elemento carbono é o 12C
(12 u.a.m.). Como descoberto por Hess em 1911, a Terra é continuamente
"bombardeada" por partículas de energias extremamente elevadas, os raios
cósmicos. A interação destas partículas com a atmosfera dá origem à formação
contínua de diversos elementos radioativos, ou seja, os radioisótopos.
O citado 14C é um deles que é formado na atmosfera a partir
do "bombardeio" do 14N pelos raios cósmicos, e por outro lado,
participa da formação de 14N na sua própria desintegração,
estabelecendo um equilíbrio dinâmico entre formação e desintegração destes
dois elementos. Este equilíbrio leva a existência de uma relação fixa
entre a quantidade de 12C e 14C (N(12C)/N(14C)),
que é da ordem de aproximadamente 7,8x1011. O carbono formado
na atmosfera entra rapidamente em combinação química com o oxigênio formando
o CO2 . Este CO2 é absorvido por todos os seres
vivos na Terra, sejam vegetais ou animais, mantendo constante a proporção
entre isótopos de carbono de massa 12 e 14. Entretanto quando o ser vivo
morre, deixa de trocar CO2 com a atmosfera, e a população de
14C que ele contem ao morrer continua a se desintegrar sem
que haja formação do mesmo. Desta forma, a quantidade de 14C
começa a diminuir em relação à de 12C , fazendo com que a abundância
relativa N(12C)/N(14C) cresça em relação ao valor
de equilíbrio na biosfera. A determinação desta razão numa amostra por
exemplo, permite a determinação de sua idade.
Entre as grandes contribuições para o conhecimento histórico por este
método estão a datação de carvão de cavernas de Lascaux, onde foram encontradas
pinturas pré-históricas (datam de 15500±900 anos atrás); a datação de
pergaminhos do Mar Morto (datam de 1917±200anos); peças de civilização
mexicana (de 1500a.C.), para citar poucos exemplos.
A datação por 14C está citada como exemplo do método de datação
radioativa. Outros elementos são mais convenientes na datação de outros
materiais. Em particular na datação geológica, ou seja de rochas, são
usados o potássio radioativo (40K) que tem uma meia-vida de
1,3x109anos, ou o urânio de 238u.a.m.(238U) com
meia vida de 4,5x109anos ou ainda o 87Rb com meia
vida de 5,0x1010anos. As rochas mais antigas encontradas na
Terra têm aproximadamente 3,5 x109anos, enquanto os fósseis
de formas mais primitivas indicam que a vida tenha aparecido na Terra
cerca de 108 anos após a solidificação da crosta terrestre.
Os mais antigos meteoritos encontrados e datados têm cerca de 4,7x109
anos, aproximadamente a mesma idade das rochas lunares mais antigas trazidas
por astronautas (4,6x109 anos). O acordo e a consistência entre
dados de fontes diferentes permitem interpretar que o Sistema Solar, e
a Terra, têm a mesma idade: da ordem de 4,6x109 anos.
O uso de aceleradores e de outras propriedades de materiais radioativas
permitem hoje a datação de diferentes peças por métodos complementares.
2. Nivaldo de Carvalho
em "A filosofia Medieval, o Renascimento e a Filosofia Moderna"; texto
para a disciplina de Filosofia para o segundo grau da Escola Vera Cruz,
São Paulo (1997).
3. José Maria Filardo
Bassalo em vários textos intitulados "Nascimentos da Física", publicados
na Revista Brasileira de Ensino de Física, em vários números dos vols
17 a 20.
4. Timothy Ferris
em "O Despertar na Via Láctea - uma história da astronomia", Editora Campus
(1990).
5. Mário Schenberg
em "Princípios da Mecânica (Tese de Cátedra) - Introdução à História da
Ciência (Curso)"; editado pelo CEFISMA do Instituto de Física da USP.