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Fenômenos CrÃticos [P.M.C. de Oliveira]
Fenômenos CrÃticos
Invariância
por Transformações de Escala
Paulo Murilo Castro de Oliveira
Instituto de FÃsica, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ
A figura 1 mostra o comportamento de um fluido
submetido a um processo de expansão isotérmica, temperatura constante.

Figure 1. Queda de pressão de um fluido que se
expande em equilÃbrio térmico. Para temperatura alta, o fluido é um gás
ideal. Para temperatura baixa, o lÃquido evapora. Há uma temperatura
crÃtica intermediária, acima da qual o fluido é um gás homogêneo. A
separação de fases, lÃquido e vapor, só ocorre abaixo desta temperatura
crÃtica. A curva de coexistência, tracejada, é o limite de estabilidade
destas fases, lÃquido à esquerda, vapor à direita. Abaixo, não há
equilÃbrio possÃvel de uma única fase homogênea, a amostra se segrega em
duas porções, lÃquido (ponto
) e vapor (ponto
).
No texto a seguir,
usarei este sistema e sua representação gráfica bastante conhecida como
protótipos de uma classe muito mais ampla de sistemas onde os fenômenos
crÃticos se manifestam.
A figura 1 representa
três curvas relativas à citada expansão isotérmica do fluido, para três
diferentes valores de temperatura. Quando a temperatura é
suficientemente alta, curva superior, o fluido em questão estará
necessariamente na fase gasosa, jamais se liquefaz. As inúmeras e
minúsculas moléculas que o compõem se movimentam caoticamente, e colidem
com as paredes do recipiente. O efeito macroscópico dessas colisões é a
pressão indicada no eixo vertical. A energia potencial de interação
entre essas moléculas é pequena, comparada com o valor tÃpico de sua
energia cinética, este muito maior devido à alta temperatura. No caso
limite de temperaturas muito altas, costuma-se desprezar completamente a
energia de interação, levando em conta apenas a energia cinética do
agitado movimento caótico das moléculas. É o chamado modelo de gás
ideal, estudado nas aulas de FÃsica do ensino médio. Na figura 1, a
curva superior corresponde à famosa lei de Boyle, do século XVII, que
relaciona a pressão
e o volume
do gás ideal, na forma
. Esta
, por sua vez, é proporcional à temperatura absoluta
, mantida constante durante a expansão. Neste modelo
de gás ideal, a estrutura interna das moléculas é irrelevante, uma vez que sua interação mútua foi completamente desprezada.
Qualquer que seja o gás em estudo,
,
, o comportamento é o mesmo. Não é preciso especificar
qual é o gás ideal em estudo, qualquer gás cuja temperatura é
suficientemente alta se comporta como o gás ideal do modelo. (Apenas
os efeitos de rotação e vibração das moléculas, que têm influência na
proporcionalidade entre temperatura e energia, podem distinguir gases
monoatômicos de diatômicos, etc. Porém, este detalhe não nos interessa
aqui.)
Para baixas temperaturas,
curva inferior, a interação de cada molécula com as demais passa a ser
importante. Como esta interação geralmente é atrativa, caso a pressão no
interior do recipiente seja suficientemente alta, estas moléculas tendem
a se movimentar menos livremente que no caso do gás, mais próximas umas
das outras: é o estado lÃquido, como água numa panela, por exemplo.
Comparada ao gás, a compressibilidade do lÃquido é muito reduzida, como
mostra a curva inferior da figura 1, em sua parte à esquerda, quase
vertical. O estudo dos lÃquidos é muito mais complicado, especÃfico para
cada substância, uma vez que a estrutura microscópica interna das
moléculas determina sua forma particular de interação e,
conseqüentemente, o comportamento da energia potencial que descreve esta
interação. Pode-se fornecer calor ao lÃquido, mesmo mantendo sua
temperatura constante, como mostra a curva inferior da figura 1. Neste
caso, a energia térmica é usada para amenizar a tendência das moléculas
de se aglomerarem próximas umas das outras, gerando uma pequena expansão
do lÃquido, que se observa na figura 1 ao descer a parte quase vertical
da curva inferior. Atingido o ponto
, a compactação das moléculas é definitivamente
quebrada em algumas posições do lÃquido, que ferve: bolhas de vapor
começam a aparecer no seu interior, com o volume especÃfico do ponto
,
muito mais rarefeitas que a parte ainda lÃquida.
Além da temperatura constante, durante a fervura, lÃquido e vapor
coexistem dentro do mesmo recipiente, submetidos à mesma pressão
constante. É o caso da água fervente no nÃvel do mar, à pressão de
e com temperatura de
. A porção lÃquida (ponto ) diminui gradativamente, dando origem a uma
quantidade crescente de vapor (ponto ). Além de quebrar a ligação atrativa entre as
moléculas, a energia térmica absorvida durante este processo de fervura
é usada também para realizar o trabalho mecânico devido à expansão do
volume total. Exaurida a porção lÃquida, a amostra volta a ser homogênea,
apenas vapor, e se expande de forma semelhante a um gás, à direita do
ponto
na figura 1.
O fenômeno crÃtico
ocorre na região intermediária, na transição entre o regime de
temperaturas baixas descrito no parágrafo anterior e o regime de
temperaturas altas do penúltimo parágrafo. Na figura 1, essa região se
localiza nas proximidades do ponto
, denominado ponto crÃtico. Ele define precisamente a
temperatura crÃtica
, que divide esses dois regimes, uma única fase gasosa
e homogênea acima dessa temperatura, contra a possibilidade de
coexistência de duas fases, lÃquido e vapor segregados no interior do
mesmo recipiente, abaixo.
Do ponto de vista prático, a importância dessa região crÃtica reside
na possibilidade de se efetuar enormes mudanças no sistema através de
pequenas variações de um parâmetro de controle. No caso do gás crÃtico,
nas proximidades do ponto
, um pequeno decréscimo da pressão (parâmetro de
controle) gera uma enorme expansão do volume do gás. Note que a isoterma
crÃtica, na figura 1, passa por um ponto de inflexão horizontal
justamente em
: neste ponto, portanto, a compressibilidade do fluido
é infinita, como resposta a uma pequena variação de pressão. Vários
outros sistemas completamente diferentes também apresentam uma região
crÃtica com as mesmas caracterÃsticas. Por exemplo, toda a eletrônica
moderna se baseia em dispositivos, cuja curva caracterÃstica, voltagem
no eixo vertical contra corrente elétrica no eixo horizontal, apresenta
um ponto de inflexão horizontal. Desta forma, minúsculas correntes
elétricas (que codificam o bit dos computadores digitais) podem ser rapidamente
transformadas em correntes muito maiores (que codificam o bit ), através de um pequenÃssimo aumento de voltagem, e
vice-versa. Outro exemplo são os materiais gelatinosos que se usam para
construir micromotores e músculos artificiais: pequenas variações na
acidez do ambiente (pH) geram enormes expansões no volume desses
materiais, o que permite a realização de trabalho mecânico.
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