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[] A Física e a Moderna Biologia [E. Jordão Neves

A Física e a Moderna Biologia
E. Jordão Neves

Instituto de Matemática e Estatística,

Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
 

Já foi dito que, assim como o século XX foi o século da física, o atual será o da biologia. Segundo o Aurélio, a física é a ciência das coisas naturais e portanto engloba a biologia. A conclusão é que estamos entrando no segundo, e consecutivo, século da física!

Descontada uma ponta de exagero nesta conclusão, a física claramente tem a biologia como área natural de interesse e de atuação. O trigésimo-quinto aniversário do Instituto de Física da Universidade de São Paulo é um momento oportuno para alguns comentários sobre a longa e frutífera interação entre essas duas áreas de pesquisa e sobre novas oportunidades nessa direção.

O surgimento da moderna biologia ou biologia molecular da célula ([1]) está estreitamente associado à colaboração entre físicos e biólogos, principalmente a partir de meados do século passado. A própria idéia da célula como elemento básico constitutivo dos organismos vivos surgiu em 1665 a partir das observações do físico Robert Hook que, examinando com seu microscópio caseiro pequenas fatias de cortiça, encontrou estruturas que o fizeram lembrar dos pequenos claustros (cells, em inglês) de monges num convento.

Todos os seres vivos são constituídos por uma ou mais células — talvez os átomos da biologia — em contínua interação entre si e com o meio exterior. O corpo humano possui mais de um trilhão de células que têm, como os átomos da física, complexa estrutura interna, com diversas organelas nas quais os diferentes processos biológicos são compartimentalizados. Uma dessas organelas é o núcleo celular que contém duas cópias completas do genoma humano. São 23 cromossomos, seqüências lineares de DNA, formando um texto de cerca de um bilhão de caracteres, de um alfabeto de quatro letras: os quatro nucleotídeos A, C, G e T. Esse texto já é conhecido praticamente em sua totalidade, após a recente conclusão do projeto de seqüenciamento do genoma humano. Mas ainda falta bastante para que ele seja compreendido. Por exemplo, ainda não se conhece com precisão nem mesmo quantas palavras — ou genes — nele aparecem. A incerteza é tal que foi promovida uma loteria ([2]) para ver quem chega mais perto, com apostas que variam entre 27 mil a 153 mil genes.

A informação genética está armazenada numa molécula de DNA, mas os responsáveis pelo funcionamento da maquinaria celular são as proteínas. As proteínas são macromoléculas extremamente versáteis constituídas de 20 tipos de componentes, os aminoácidos. Simplificando bastante, a informação do DNA é primeiro transcrita numa molécula intermediária, o RNA mensageiro, que é então transportado para fora do núcleo, onde é traduzido, ou seja, a proteína correspondente àquela particular seqüência de RNA é produzida. Essa é a seqüência básica do fluxo de informação: DNA  RNA  Proteína. O trilhão de células do corpo humano podem ser agrupadas em algo como 200 tipos, que podem ser bastante diferentes entre si, como células epiteliais, neurônios e as células fotossensíveis da retina, por exemplo. Apesar disto, todas elas têm o mesmo conjunto de instruções básicas contido no genoma e se originaram de um mesmo óvulo fecundado. Elas diferem por processar a informação do DNA de formas distintas e boa parte da complexidade desses sistemas resulta dos sofisticados mecanismos de regulação e controle associados. Sua análise coloca problemas teóricos e experimentais que exigem a cooperação de diversas áreas de pesquisa e constituem, possivelmente, o grande desafio científico do século.

Mais informações

[1]  B. Alberts, D. Bray, J. Lewis, M. Raff, K. Roberts, J.D. Watson, The Molecular Biology of the Cell, 3rd ed., New York and London, Garland Publishing (c1994).  Disponível na web em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=books.

[2]  http://www.ensembl.org/Genesweep

 
 
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